Ética
“An ethics of translation lies in deciding upon the right course of action within the act itself, deciding what is the right or wrong treatment of the texto we are translating and knowing how to implement those decisions. It implies an acute awareness of your own role in the translation process and a keen awareness of the impact of your decisions on the world around you”. (Lambert 2013).
Tal como outras profissões, a nossa atividade tem um código ético e deontológico que incide sobre questões como fidelidade, confidencialidade, imparcialidade, respeito, responsabilidade e competência contínua. Nuns países dá-se ênfase a um ponto, noutros países a outro, mas existe efetivamente um código que está subjacente a esta profissão.
Por vezes poderá haver o entendimento de que estes padrões são estritamente profissionais e que a nossa visão pessoal sobre um assunto deve ficar de lado. Será que é tão simples assim?
Vamos imaginar que um cliente pede a um tradutor ou interprete para fazer um trabalho sobre um tema com o qual ele se sente desconfortável. O que fazer?
Existem várias situações que nos podem causar dúvidas e que obrigam a uma reflexão não só do ponto de vista profissional, mas também pessoal.
No texto de Anthony Pym Translational ethics and electronic technologies, partimos de uma visão tradicional do papel do tradutor, passando pelo período de incorporação da tecnologia e chegando a uma necessidade de humanização no trabalho de tradução. Vamos ver o que ele diz e para onde ele vai, ok?
Tradicionalmente a ética da tradução tinha por base a noção de fidelidade – o tradutor devia ser fiel ao texto de partida e ao autor.
A emergência de novas realidades obrigou a novos olhares sobre o conceito de fidelidade.
Hoje, esta questão da tradicional fidelidade ao texto/autor por parte do tradutor parece ter perdido o sentido e o estatuto “soberano” do tradutor também deixou de existir.
Atualmente, um trabalho de tradução pode envolver outros profissionais (terminológos, revisores, técnicos, gestores de projeto, clientes) – toda uma equipa é corresponsável pelo resultado final. Pym refere-se mesmo ao Serviço de Tradução da Comissão Europeia como a bureau of scribes rather than translators. Por outro lado, o próprio texto pode nem sequer ter um autor. A somar a isto, temos a tecnologia ao serviço da tradução, com as memórias de tradução, os glossários, as base de dados terminológicas.
Todos estes fatores retiram ao tradutor uma grande parte do poder de escolha. Pym afirma mesmo, de uma forma algo irónica, que as Memórias de Tradução impõem uma consistência coletiva sobre uma fantasia individual.
Vistas as coisas por este prisma, parece que chegamos a um beco sem saída e que o tradutor não tem outro remédio do que fazer o seu trabalho, sem escolhas, sem subjetividades ou critérios pessoais.
Perante este cenário, que princípios éticos devem orientar e sustentar as escolhas de um tradutor? Sejam elas intrínsecas ao projeto propriamente dito ou mesmo à opção de aceitar ou não executá-lo?
Com as teorias funcionalistas, Christiane Nord, afirmou que a lealdade se deve principalmente ao cliente e ao destinatário final do texto – em suma, às pessoas e às relações entre elas.
Pym entende que esta fidelidade ao objetivo do texto, embora de forma indireta, é uma reação à tecnologia. A introdução de ferramentas tecnológicas na atividade da tradução trouxe vantagens de tempo e de custos, desenvolveu o trabalho em equipa, disseminou o texto sem autor – o que reduz a influência ideológica no texto de partida. Tudo isto parecem ser pontos positivos.
No entanto, estas teorias centradas na pessoa, plasmadas na necessidade de introduzir o conceito de lealdade, parecem demonstrar uma reação a este contexto. Quanto mais os textos se tornam anónimos, mais os processos de trabalho se desumanizam.
Aparentemente, estamos na demanda de um “rosto humano” e a lealdade é o valor que personaliza esse rosto. A lealdade às pessoas e aos seus objetivos e, em última análise, a lealdade a nós próprios enquanto tradutores.
Qual é a sua opinião? Também enfrenta esse tipo de dilema na sua profissão?