Porque é que a tradução jurídica é tão complicada?
Hoje, vou contar-lhes como e por que razão trabalhar em projetos de tradução jurídica é muito complicado.
Quando um texto de partida pertence a um sistema jurídico de base anglo-saxónica (Common Law) e o texto de chegada a um sistema jurídico de base romana (Civil Law), o trabalho de tradução é altamente complexo, pois as bases de ambos os sistemas são muito diferentes.
Devido a essa não coincidência de sistemas entre o texto de partida e o texto de chegada, a tradução tem que procurar não sinônimos, mas EQUIVALÊNCIAS que produzam os mesmos efeitos jurídicos do original.
Ao traduzir um texto de Direito Comercial Inglês, duas fontes oficiais devem ser consultadas: da Common Law, o Companies Act 2006 (UK), e da Civil Law, o Código das Sociedades Comerciais (Portugal). O objetivo é encontrar EQUIVALÊNCIAS nas duas línguas.
Pedro Coral Costa refere que nas situações de falta de equivalência nos devemos focar na cultura /sistema jurídico de partida, favorecendo a “identificação” e, ao mesmo tempo, “focar na cultura de chegada”. Entre outras coisas, afirma igualmente, com muita pertinência, que quando há falta de equivalência, devemos tentar usar o máximo do texto de partida, mas a pensar na cultura de chegada – digamos que a equivalência funcional é uma boa forma de transpor um sistema para outro.
No texto A tradução de inglês para português de documentos constitutivos de sociedades, de Pedro Coral Costa, extraem-se conclusões que são muito válidas para sintetizar o significado e importância da tradução jurídica nos nosso dias, mas também se observam as razões da sua dificuldade.
O autor afirma que o aumento das sociedades comerciais internacionais e do comércio internacional em geral levaram a um aumento na procura de traduções de documentos societários.
Devido ao protagonismo da língua inglesa no comércio e relações internacionais, esses documentos são maioritariamente em inglês, Por outro lado, a generalidade dos paraísos fiscais situa-se em zonas de ordenamento de common law e o liberalismo destes regimes atrai muitos investidores. Para além disto, há uma tendência de investimento em países falantes da língua portuguesa, o que aumenta a necessidade de praticar atos societários nestes países.
Considerando estes elementos, contata-se que este tipo de tradução tem e terá cada vez mais procura, o que parece constituir uma excelente oportunidade de trabalho para os profissionais de tradução.
No entanto, a tradução jurídica possui caraterísticas que fazem com que seja praticamente um mundo à parte no setor da tradução.
Para o tradutor, isto implica uma necessidade de possuir uma preparação técnica muito profunda ao nível de conhecimento e domínio da legislação portuguesa e também dos ordenamentos jurídicos da common law. Estes projetos envolvem sempre um volume elevado de trabalho pré-tradução e idealmente, na pós-tradução, uma revisão feita por um jurista ou advogado.
Na área de tradução jurídica o tempo necessário para fazer um bom trabalho é longo, o investimento em formação base por parte dos tradutores também entra na equação e a responsabilidade (no sentido de liabiliy e não de responsability) é muito elevada – um erro numa tradução jurídica pode ter consequências muito graves.
O perfil deste tipo de tradutor é muito particular e o valor que o mercado está disposto a pagar por este trabalho fica muito longe do que seria justo para este nível de exigência e de responsabilidade.
Resumindo, julgo que a juntar a um vocação e gosto por este tipo de matéria, será muito importante que exista um enquadramento mais vantajoso no mercado quanto às condições em que se fazem traduções jurídicas, para que esta vertente da profissão venha a ser atrativa.
Será esta uma missão para as Associações Profissionais? Para o próprio Estado Português, que ainda não cumpre os critérios de convergência europeia no que diz respeito aos tradutores certificados? Veremos o que o futuro nos reserva.
O Direito é elaborado por e para uma sociedade, respondendo às necessidades da mesma num determinado tempo histórico. Cada sociedade define as próprias normas jurídicas de acordo com a perceção que tem do mundo e de acordo com o tipo de organização desejada. Consequentemente, a linguagem jurídica está ligada ao sistema jurídico de cada país, refletindo história, a evolução e a cultura deste mesmo sistema. (Gurumac, 2011, p.12)