Sobre variantes linguísticas

Vamos começar com um lugar-comum: o barato sai caro e o resultado pode ficar muito aquém do esperado e não cumprir o objetivo.

Porque é que digo isto? No ano passado uma colega estrangeira, com quem me cruzo no co-work onde costumo ir, pediu-me um orçamento para tradução de um site de inglês para português europeu. Tendo em conta a nossa relação, dei o orçamento com um preço especial. Passados poucos dias, informou-me que tinha um orçamento mais baixo e que iria optar por ele. Nem me passou pela cabeça discutir a questão: o preço que eu tinha apresentado era baixo e descer mais seria desqualificar o meu trabalho e o investimento que fiz na minha formação.

Recentemente, essa colega acabou por me contar o que tinha acontecido: quando mostrou o site a amigos portugueses, estes disseram-lhe que todos os textos estavam traduzidos para a variante brasileira do português. Mistério resolvido. De facto, não há milagres.

Fazer uma tradução, com pesquisa aprofundada sobre o tema, localização e seleção de palavras-chave para o mercado em que se está a operar é um trabalho demorado, complexo e exigente.

Então, como é que alguns tradutores conseguem praticar taxas low-cost? Sem cair em generalizações, percebo que estes preços resultam de algo que não é um trabalho de tradução propriamente dito: para oferecer um serviço de baixo custo alguns profissionais limitam-se a colocar o texto num assistente de tradução automática, e já está!

Porque é que este método produz textos na variante brasileira do português? Como já expliquei no artigo “O que são Tradução Automática Estatística e Tradução Automática Neural?”,  as ferramentas de tradução automática (TA) com base no sistema neural recorrem aos documentos disponíveis online e, como o número de falantes de PT-BR é muito superior ao de falantes de PT-PT, os resultados destas traduções aparecem na variante brasileira.

Por essa razão, deparamo-nos muitas vezes com este tipo de situação.

A que mais me desilude é a palavra contato. As ferramentas de TA, devido à situação que referi, traduzem contact para contato.

Ora bem, o Acordo Ortográfico de 1990 veio gerar uma grande confusão com as palavras de dupla grafia e a célebre eliminação de consoantes que não se pronunciam. Subitamente, as pessoas começaram a cometer erros ortográficos que não cometiam antes e a aceitar como corretas algumas formas que são exclusivas do PT-BR.

A palavra “contato” é uma delas.

fico frustrada com este assunto pois, quando se corrige alguém que comete este erro, as pessoas tendem a duvidar, dada a quantidade de exemplos errados que testemunham todos os dias – até nos meios de comunicação.

O acordo ortográfico, apesar de polémico e discutível, nunca pretendeu alterar a forma de pronunciarmos as palavras. Se dizemos CONTACTO, por que razão escreveríamos CONTATO? O mesmo se passa com FACTO e FATO e outras palavras do género. Se a consoante é pronunciada, não se elimina na escrita. É certo que existe uma DUPLA GRAFIA, mas esta justifica-se para poder abranger as variantes PT–PT e PT-BR.

Aqui está o que diz sobre este assunto o Pórtico da Língua Portuguesa, da Academia de Ciências de Lisboa.

Em Portugal, a palavra contacto continua a escrever-se com c, enquanto no Brasil permanece sem c, porque os falantes dessa variante de PT não o pronunciam e, assim, a palavra no Brasil permanece sem como já sucedia antes do acordo.

Voltando ao início: pagar a alguém para pegar no seu texto e colocar numa ferramenta de TA não é uma boa ideia.

Tradução envolve:

– conhecimento da língua de chegada

– conhecimento do tema

– competências de pesquisa

– conhecimento de SEO (no caso de conteúdos para a web)

– conhecimento de L10N (Localização ou adaptação do conteúdo ao país de destino)

As ferramentas de TA são muito úteis para as pessoas entenderem o sentido geral de um texto em língua estrangeira, sem terem necessidade de conhecer essa língua.

No entanto, no momento de fazer um texto para difusão pública de um produto ou serviço de uma organização, o trabalho de tradução e localização devem ter um nível de qualidade irrepreensível e isto não pode ser delegado numa ferramenta de TA.