Uma viagem ao passado da língua

Já alguma vez teve vontade de fazer uma viagem ao passado e ouvir como se pronunciava o português clássico?

Pois, eu às vezes penso nisso e tenho muita curiosidade, mas não há máquina do tempo que nos leve lá.

No entanto, os linguistas e os historiadores da língua portuguesa apresentaram uma solução brilhante para perceber a sonoridade da nossa língua: a análise da métrica e da acentuação nos poemas antigos.

Todos se devem lembrar, quando estudaram os Lusíadas, que os poemas seguiam regras muito rígidas a vários níveis e a métrica e a acentuação eram pontos essenciais para definir a tipologia do poema.

No caso dos Lusíadas, os versos tinham dez sílabas (decassílabos), maioritariamente com acentuação na 6ª e 10ª sílaba (decassílabos heróicos).

Hoje, ao lermos com o sotaque do português europeu, há versos onde é difícil fazer coincidir a nossa pronúncia com esses parâmetros.

Então, o que é que aconteceu, entretanto?

Pensa-se que, a partir da segunda metade do séc. XVIII, o português europeu sofreu uma mudança fonológica – redução das sílabas pretónicas – que deu origem à pronúncia moderna. Ou seja, na Europa passámos a falar mais depressa e a ‘engolir’ sílabas e no Brasil manteve-se o ritmo da fala – todas as sílabas são pronunciadas.

Por essa razão, quando se analisa a métrica dos versos dos Lusíadas, a variante brasileira do português coincide rigorosamente com a métrica do poema clássico. Isto dá-nos uma pista muito importante: o português do Brasil mantém uma maior proximidade com a pronúncia do português clássico.

Et voila! Cá está a nossa viagem no tempo, um falante do séc. XVII teria um sotaque mais próximo do que é hoje a variante brasileira da língua.

Tudo isto são hipóteses e esta explicação é muito sintética – o assunto é bem mais rico de detalhes do que isto e, para quem gosta destes temas, alguns especialistas brasileiros dedicaram-se a analisar este assunto – por exemplo Ataliba Castilho (linguista, professor emérito da USP), Evanildo Bechara, (gramático, Universidade Estadual do Rio de Janeiro).